Insólito – 5 episódios da História de Portugal que não aconteceram bem assim
1- O milagre do pão transformado em rosas nunca existiu
A mulher do rei D. Dinis, D. Isabel de Aragão (1270-1336), tornou-se célebre para sua imensa bondade. Ora, conta a lenda que o rei já irritado por ela andar sempre misturada com mendigos a gastar o erário régio, segundo umas versões, ou porque era muito mau, segundo outras, a proibiu de dar mais esmolas. Mas, certo dia, vendo-a sair furtivamente do palácio foi atrás dela e perguntou o que levava escondido por baixo do manto. Era pão. Mas ela, aflita por ter desobedecido ao rei, exclamou: «São rosas, senhor!» «Rosas, em Janeiro?», duvidou ele. De olhos baixos, a Rainha Santa Isabel abriu o regaço - e o pão tinha-se transformado em rosas. Esta história/milagre, repetida vezes sem conta ao longo de séculos, nunca existiram. Foram uma criação posterior pois não há qualquer menção a este milagre nas primeiras biografias da rainha. O mais antigo registo conhecido é um retábulo quatrocentista conservado no Museu da Catalunha e data apenas do século XVI. E o primeiro registo escrito da lenda das rosas encontra-se em meados do século XVI, altura em que estaria já enraizado na tradição popular. Trata-se pois, muito provavelmente de um milagre criado para compor a aura de santidade da rainha Santa Isabel.
2- D. Fernando, o Infante Santo que afinal nunca o foi nem o quis ser
O oitavo filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre ganhou o cognome de Infante Santo, supostamente por se ter entregado como mártir às mãos dos árabes após uma tentativa falhada de conquista da praça de Tânger: um exército chefiado pelo irmão, o infante D. Henrique, o Navegador, fora derrotado e os árabes exigiam a entrega de Ceuta para poderem aceitar as tréguas com os portugueses e soltar os prisioneiros. Como garantia do acordo, ficou o infante D. Fernando. Enquanto, no reino de Portugal, uns exigiam a devolução imediata de Ceuta e outros a recusavam, D. Fernando sofria no cativeiro e escrevia cartas aos irmãos, - o rei D. Duarte e o infante D. Henrique, o principal causador do problema – pedindo que entregasse Ceuta e o resgatassem. O impasse arrastou-se e D. Fernando acabou por morrer no cativeiro.
D. Fernando não se entregou, pois, voluntariamente, antes exigiu, em vão, que o resgatassem. A imagem de um infante que se entregava de bom grado ao sacrifício do cativeiro, rejeitando o resgate, qual mártir, foi criada pelo seu primeiro biógrafo, que escrevia a mando do infante D. Henrique, e não passava de uma forma de este se desculpabilizar pelo terrível ato de deixar o irmão morrer às mãos dos infiéis.
3- A frase «Enterrar os mortos, cuidar dos vivos» foi proferida por outro marquês que não o de Pombal
No dia 1 de Novembro de 1755, as ruas de Lisboa estavam apinhadas de gente. As igrejas, cheias de fiéis, celebravam o dia de Todos os Santos. Às nove e meia, inesperadamente, a terra começou a tremer. As fortes vibrações continuaram durante sete intermináveis minutos, e transformaram a cidade numa ruína indescritível.
Perante a dimensão da catástrofe, ainda no dia 1 de Novembro, o rei D. José I, que escapara ao terramoto juntamente com a família real, foi compelido a tomar uma atitude. Conta-se que, perante a questão do monarca «E agora?», o então secretário dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, terá respondido «Enterrar os mortos e cuidar dos vivos».
Porém, ao que tudo indica, o autor da frase terá sido outro. A pergunta lançada por D. José I foi dirigida ao general Pedro Miguel D'Almeida, primeiro marquês de Alorna, um militar experimentado de 67 anos, que desempenhava a função de mordomo-mor da rainha. Quanto à verdadeira resposta, foi «Sepultar os mortos, cuidar dos vivos e fechar os portos».
Embora a frase não tenha sido proferida pelo Marquês de Pombal, a verdade é que poderia muito bem ter sido, assim o justifica a sua actuação após o terramoto.
4- D. Pedro I, o monarca que perdeu a cabeça por Inês, mas também por Afonso
A relação amorosa entre D. Pedro I e a galega Inês e Castro é tida como a mais emblemática e trágica da História de Portugal, cantada por poetas, dramaturgos, escritores, pintores e músicos. No entanto, parecem existir razões para concluir que afinal aquele que combateu o pai, D. Afonso IV, e colocou o país a ferro e fogo por amor à Castro, também se terá perdido de amores por homens.
Escrevendo anos depois dos acontecimentos, Fernão Lopes dedica um capítulo inteiro a um episódio muito curioso que indicia que D. Pedro teve um relacionamento homossexual com um escudeiro, Afonso Madeira. Fernão Lopes refere que D. Pedro «o amava muito, e lhe fazia muy grandes mercès».
A verdade é que o escudeiro se apaixonou por uma mulher casada, Catarina Toce, mulher de um importante corregedor da corte e a relação entre ambos acabou por chegar ao conhecimento de D. Pedro que, sentindo-se traído, acometido por um ataque de ciúmes, mandou castigar exemplarmente o escudeiro, castrando-o.
5- «Deus, Pátria, Família»: uma trilogia que afinal era uma tetralogia
Durante o célebre discurso do décimo aniversário do 28 de Maio, em Braga, o presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, proferiu as «verdades indiscutíveis» da Revolução Nacional. «Não discutamos», dizia ele, «Deus e a virtude», não discutamos a «Pátria e a sua História», não discutamos a «Autoridade e o seu prestígio», «a Família e a sua moral», «o trabalho e o seu dever». Dois anos depois, um cartaz da «Lição de Salazar» intitulava-se «Deus, Pátria, Família: a Trilogia da Educação Nacional».
Sempre associámos esta trilogia a Salazar, que durante quarenta anos governou o país com mão de ferro, pensando que ele foi o seu autor. Mais uma vez trata-se de uma partida da História. Ainda que Oliveira Salazar tenha adotado esta trilogia como pilar fundamental do país que pretendia moldar, a verdade é que esta frase foi proferida, segundo consta, a 14 de junho de 1909 por Afonso Pena, presidente do Brasil, no seu leito de morte, vítima de pneumonia. A frase original seria: «Deus, Pátria, Liberdade, Família».
Salazar teria tido conhecimento destas palavras basilares quando fora prefeito no colégio da Via Sacra, em Viseu, já que elas se encontravam em epígrafe na revista Echos da Via-Sacra, publicada por aquela instituição católica. Anos mais tarde, estas palavras tornar-se-iam a síntese da pedagogia e da moral salazarista, com uma particularidade: Salazar deixou cair a Liberdade, ficando assim a tetralogia transformada numa trilogia.
Autoria: Ricardo Raimundo, historiador e autor de vários livros, sendo o mais recente «Episódios da História de Portugal que não aconteceram bem assim» (Manuscrito).
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